segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

"An eye for an eye will quickly leave the whole world blind"

A frase de Gandhi que eu citei ali em cima, vou usar só de pretexto pra falar de alguma coisa que dê vontade, hoje domingo, meia noite.
Acho meio burro tirar frases dos seus contextos, mas achei essa muito brilhante, e talvez valha a pena desmerecer um pouco da possível genialidade que acompanhe o discurso no qual foi proferida na intensão primeira, se é que foi dita mesmo por Gandhi.

Olho por olho vai levar rapidamente o mundo inteiro à cegueira, segundo o meu inglês brasileiro.

Para aqueles que talvez não associaram, olho por olho remete à justiça humana, que diz que todos devem pagar por aquilo que fizeram, igualmente, justamente. Para quem fere um olho de outro, deve ter o seu próprio também ferido como forma de se fazer justiça.
Humana em partes, já que foi citada na Bíblia, antes do Reino da Graça instituido por Jesus Cristo, na tentativa de aproximar a humanidade da santidade a partir do cumprimento de certas regras. Lei esta que foi revogada, ou melhor, aprimorada por Jesus no Sermão do Monte, citado no livro de Mateus, aprofundando as regras e questionando o vazio
obedecer que chega somente nas águas rasas dos atos e aquilo que é exterior.

Jesus questionava aquilo que se pode ver porque sabia que o mundo e as coisas e as relações são muito mais profundas do que somente aquilo que se vê.
Aliás, Jesus e o evangelho e o cristianismo com essa mania de insistir no profundo, no invisível, no importante.

Bom, voltando aos olhos e dentes.

"38 “Vocês ouviram o que foi dito: ‘Olho por olho e dente por dente’
39 Mas eu lhes digo: Não resistam ao perverso. Se alguém o ferir na face direita, ofereça-lhe também a outra.
40 E se alguém quiser processá-lo e tirar-lhe a túnica, deixe que leve também a capa.
41 Se alguém o forçar a caminhar com ele uma milha, vá com ele duas.
42 Dê a quem lhe pede, e não volte as costas àquele que deseja pedir-lhe algo emprestado."


O que é a justiça, afinal?
Não fiz Direito, os que entendem do assunto que perdoem minha ignorância, se irritante, mas a frase de Gandhi me surpreende pela "evangelhicidade", ah meus neologismos.

Olho por olho deixará o mundo cego, porque:

1. Matemática básica. Convenhamos que o incrível número dois não oferece muitas chances de cometer erros com os outros e permitir que o façam conosco. Aliás, apenas permite que erremos uma vez e que errem uma vez conosco. (caro leitor considere aqui por favor o "arrancar o olho" como metáfora para "errar".)

2. O formato "justo" do ser humano é falho.
Não consigo imaginar nada mais justo do que pagar o mal exatamente na mesma moeda com que recebi, mas o fato é que não existem seres humanos e acertos suficientes para sustentar essa justiça. E expandindo o conceito, o homem sozinho não dá conta de se conservar sozinho. Porque é cheio de sentimentos, personalidade, mágoa, interpretação.
Todo mundo é diferente, e não é preciso ser nenhum filósofo para chegar à conclusão de que não tem muito jeito de julgar o planeta inteiro com as nossas próprias regras. O que pra mim é certo pode não ser pra você, o que pra você foi bom pra mim pode ter sido péssimo e afinal quem é você pra me dizer o que eu deveria sentir ou ser. Aliás essa variabilidade da existência humana me faz chegar ao ponto 3,

3. Humanamente é necessário relativizar, mas tudo que em mim responde por humano anseia por algum absoluto.
Acho que não tenho autoridade em ditar absolutos, e ser humano nenhum pode achar-se no direito de condenar, como eu já disse ali no ponto dois. Minto, ser humano nenhum que não Cristo. Que era humano, mas não era. (
sobre Deus ser e não ser, sobre a trindade e essas coisas difíceis talvez eu ainda não consiga escrever. E de qualquer forma mereceria um post inteiro, pelo menos, com certeza.)

Percebe?
A experiência humana é em si relativizadora, e não legitima a lei humana do olho por dente, que não o é.
Mas ao mesmo tempo ela clama pelo absoluto.
Se ninguém humano pode achar-se no direito de julgar com as próprias leis então não devem existir leis absolutas.
Mas preciso do absoluto, afinal, de alguma Lei.

Percebe o erro na dinâmica da justiça humana?
Ela julga de forma absoluta o que é relativo.

E isso nos faz concluir que devemos precisar, portanto, de uma nova Lei ou de novos seres humanos.
Hehe, a segunda hipótese descarto já de cara por não ter saco nem coragem nem chuva bastante pra dar um fim em todo mundo, e porque ela incluiria, lógico, a mim.

Uma nova Lei.
Talvez nem tão nova, dita por Cristo faz mais de 2000 anos.

Olho por olho é vazio como é vazia a justiça humana e a própria existência.

.

Adoro os "Mas eu, porém, lhes digo" de Jesus.

Não que consiga, eu, dar a outra face, a túnica e etc.

Mas acho que o fato dessa Lei ser praticamente desumana de tão difícil e profunda me conforta.
Acho bom saber que o mundo tá todo errado mesmo e que o Deus que eu sirvo já tinha pensado na solução 2000 natais atrás.


*ouvindo "My Baby Blue", de Dave Matthews Band. Cd excelente.
http://www.youtube.com/watch?v=cETu3WzTUx8

domingo, 27 de setembro de 2009

Agora e depois. (eu e o tempo II)

Penso em como - ou quanto, até que ponto - nossa existência depende da nossa consciência.
No sentido de que parece que as coisas somente acontecem, assim de verdade, quando estamos conscientes. Pense nas melhores e piores coisas que aconteceram na sua vida, e na forma com que você pensou nelas durante o tempo que aconteceram.
Pode parecer meio estúpido, mas pense bem.
Por exemplo uma festa de casamento, um evento, sei lá. A graça do negócio só tem graça se você pensou no momento "legal que eu estou aqui."
Digamos que você tivesse passado a festa inteira pensando em outra coisa. Aí ao final de tudo, diria "nossa, já foi! Mas é como se eu nem tivesse estado aqui!"

Um pensamento um tanto inútil , certo?
Mas se pensar bem, quanto dos meus neurônios tenho gastado em viver as coisas no momento em que estão acontecendo?
Faz todo sentido que na Bíblia nos é dito para viver dia após dia, e não ficar gastando o presente com as preocupações com as coisas que ainda não chegaram.

Não raro me vi vivendo uma rotina em que acordava esperando pelo momento de ir pra aula, assistia a aula esperando o almoço, almoçava esperando o estagio, trabalhava esperando dar a hora de ir embora, ia embora esperando pra chegar em casa, chegava em casa esperando pra dormir, dormia esperando pra acordar, acordava esperando pelo momento de...

Não parece sem sentido? Ou será que acontece sem que a gente perceba?
Quanto menos tempo gastarmos no presente menos importante a vida fica e vivemos eternamente frustrados, como se esperando para que ela chegue.

E aí esse futuro que parece tão ameaçador, de olhos grandos engolindo o agora diminui de tamanho e se torna como o presente de natal embaixo da árvore. Sabemos que está ali e que vai continuar ali, e parece quase mais bonito assim empacotado pro "depois" do que aberto no nosso colo.
E o papel rasgado todo rasga junto qualquer outra expectativa e tudo aquilo que ele não é.
Sobra apenas aquilo que ele é.

Não que a verdade do que as coisas são seja pior do que a expectativa quase que sem fôlego daquilo que elas poderiam ser, mas acho que devíamos concordar que uma árvore cheia de presentes é muito mais linda do que um armário socado de... sei lá, pijamas.


*obs. Nada contra ganhar pijamas de Natal! Adoro pijaminhas!
:]

domingo, 13 de setembro de 2009

Oração dos alpes



Nada em ti destoa.
E tampouco exagera, Senhor dos Exércitos.
De repente no meio das tuas montanhas cegando os olhos com a luz do branco e vendo o reflexo do vermelho do sol nos alpes e a cremosidade da tua neve e a grandeza do teu alto e a diferença das alturas e texturas e o céu tão claro tão azul tão limpo tão teu, Abba.

Nada em ti me humilha.
talvez por sentir quando humilhada destruída admiro tanto essa tua capacidade de sempre me fazer sentir digna.

Oras, digna.

E as minhas orações de sempre que sempre se repetem sempre pareceram soar tão ínfimas nos abismos das tuas montanhas e tão pequenas e tão baixinhas, e o eco...

Se perderam as minhas orações na tua grandeza.

E [bendito seja] saber que minhas palavras são quase ridículas perdidas na majestade do resultado das tuas não me faz sentir longe de ti, nem te sentir falso, nem me sentir desprezível, nem por um instante, nem nada.

em 30 de dezembro de 2008.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Não dá tempo.

E há alguma coisa, ainda, como que não dita, que faz parecer que estou prestes a descobrir algo pertinente e essencial demais sobre o tempo.
Que anularia o poder incansável que exerce sobre a minha vida, que me faria descansar.

Ele que se divide todo em ciclos, que se repetem o tempo todo e nada do que eu faça o fará parar. E, sendo assim, é sobrenatural.
Porque não é o sono que eu durmo entre a luz do sol de um dia e a do próximo que separa a sexta do sábado; e se, por algum acaso e aguda ausência de atividades pertinentes, eu escolher, por vontade própria, parar, inerte, em frente ao relógio e me recusar a fazer parte da massa que se submete a ele, e em corajosa e besta intenção resistente impedir os ponteiros de decidirem por mim as coisas que são minhas mas que, oras, não controlo de fato; correr e fazer parar os relógios de casa, dos vizinhos, nos pulsos, nos aparelhos, nas casas, prédios, cidades, noite e dia; de nada adiantaria, enfim.

Porque não se consegue controlar o tempo controlando-se suas manifestações.
Tãopouco recusar-se seu senhorio.



O que me dá essa vontade de refletir sobre assuntos completamente inúteis dos quais não se chegará a conclusão nenhuma, nem eu sei.
Acho que gosto de escrever, e a sensação de que concluirei com algum absoluto, por mais que falsa, me eche com alguma expectativa que mesmo frustante, alivia a alma a medida que preenche linhas e mais linhas com essas minhas palavrinhas tortas.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Simples.

"Não é que o simples seja desleixado, não é isso.
É o simples, o substantivo.
É a única coisa que poderia ser.
O simples é o irredutível."

walter lima jr. - cineasta.

Acho que existe qualquer coisa de suspenso na chuva e na música que às vezes dá vontade de achar algum canto pra tentar distorcer os pensamentos todos que correm rápido por dentro da gente e não nos deixam perceber o tempo.
Adorei essa frase dita por esse moço nesse documentário sobre o olhar, Janela da Alma.
E de fato, por mais que demore um pouco pra gente perceber, é muito mais fácil complicar do que descomplicar.
E talvez por isso ser professor seja tão difícil.

Simplificar é complicado, e o essencial das coisas fica tão no fundo, e é preciso olhar tanto tempo pra poder enxergar as cores.
Essa coisa de assistir filmes e viver com enredos que se enroscam nas nossas vidas às vezes irrita.
Porque o filme tem que colocar em duas horas diálogos e personagens e cores suficientemente encantadores pra que possamos parar nossas vidinhas por duas horas e deixar-nos absorver por qualquer coisa que não faz parte da nossa vida.
O que na verdade não é lá um grande feito, afinal, as vezes levamos uma vida tão medíocre que faz bem sair um pouco dela.
Mas ao mesmo tempo é sim grande coisa, afinal, não é qualquer um que consegue me parar no meu trajeto (de sempre, sempre o mesmo) pra ouvir qualquer bobagem sobre a nova promoção da C&A.

Talvez eu precise mesmo um pouco mais do simples.
É como se às vezes me desse vontade de sentar numa poltrona de canto, e ter meus pensamentos assistidos do lado de fora da chuva, e, assim bem espaçados, terminassem com algumas frases de efeito que fizessem os mais sensíveis na sala, lá ao fundo, sentirem um aperto de garganta, de choro.
Algo que terminasse com umas notas de piano suaves e tristes.

Como é difícil emocionar alguém, hoje em dia.
Não que eu tenha vivido muito em outros tempos, mas acho que dá um efeito importante na frase quando a gente especifica a situação contextualizando com um "hoje", pra que nenhum velinho experiente possa rir das minhas constatações.
(O que não deixa também de ser apenas um medo bobo, porque qualquer velho sábio que se preze vai me olhar do alto dos seus setenta e poucos anos e constatar que eu ainda tenho muito aprender. E diferente de mim, não tem problema nenhum em guardar as vitórias da sua sabedoria pra si mesmo, a fim de não desmerecer ninguém.)
Não dá tempo de ficar esperando o sentimento vir com alguma música, com alguém, sei lá.
As coisas vem tão rápido, e as imagens são tão fortes, e se 30 segundos não forem suficientes pra fazer alguém querer comprar esse sabonete então nada mais será.




Sobre o simples,
que não tem nada de simples.

domingo, 17 de maio de 2009

sobre quem sou...

Pergunte então das coisas que faço, como faço.
Das atividades que eu executo, das coisas que prefiro fazer e até daquilo que insisto e faço questão e digo que gosto de fazer.
Pode ser que entenda um pouco da minha rotina, das pessoas e lugares que preenchem as várias horas que por convenção chamo de meu dia.

Ou pergunte do que tenho, os presentes que me foram dados, conte o numero dos que atendem por “meus amigos”. O número de roupas que são minhas, do quanto vale a minha hora no estágio, dos objetos que pra mim são caros (importantes não necessariamente monetariamente valiosos) e que de certa forma dizem um pouco mais de mim.

Mas não me pergunte quem eu sou.
Porque a essência real de toda uma existência pra mim é um troço tão precioso e misterioso que nem me arrisco a dizer de mim.

Posso arriscar que sou dentro da minha mente, que penso logo existo, e que ser Martina é resultado do monte de reações químicas complexas que eu não conheço e que multiplicam 7 por 15 fazendo primeiro sete vezes dez, porque é só pôr o zero, depois soma com sete vezes cinco que é trinta e cinco e aí setenta mais trinta e cinco. Para somar procuro quanto falta para fechar cem, trinta, sobram cinco, dá cento e cinco. Sempre fiz assim.

Ou talvez que existo no que chamamos de coração, sentimento. O que me traz o nó na garganta antes do choro, que puxa a bochecha antes do sorriso, que fecha os olhos antes do beijo e o que me convence da relevância de chorar sorrir ou beijar.

Mas muitas vezes tive que abrir mão de minhas próprias vontades por causa dos meus sentimentos, por isso não podem conter toda a minha essência. Qualquer um que se denomine “ser humano” certamente já passou por esse tipo de situação, não entendeu nada e acreditou mesmo que talvez deva ser bem mais fácil ser uma árvore, que só precisa... existir. (Ta, existir não é tão simples. Se fosse eu teria acabado esse negócio em uma frase.)

Quem sabe então minha essência seja a minha alma, que provavelmente seja a coisa de que eu menos entenda no universo.
Acima e mais profunda e intensa e sutil do que tudo aquilo que faço, tenho, penso e sinto.
Não sei se independe do contexto que vivo, se seria a mesma nascendo na Tailândia em 1830.
Talvez sim, talvez não.

Tenho me perguntado muito sobre quem sou, principalmente por estar crescendo e por sentir que isso independe (quase sempre) de mim. Por estar aprendendo a lidar com situações e idéias e pessoas que se responsabilizam por elas.
Percebo hoje que a Cruz é maior que qualquer esforço que eu faça. Que de fato o perfeito amor espanta fora todo o medo, como um bebê nos braços da mãe, como a voz dEle por sobre a tempestade, como a nossa casa naqueles dias de chuva fria.
Que a Graça é mais importante que meus erros, e que existe algum jeito de conciliar, afinal, o meu Livre Arbítrio com a Onisciência dEle.

Mas é pouco. Muito pouco.
E ainda bem.
Gosto de perceber como ainda sou pequena, como tem tantas outras coisas que preciso viver e aprender.
E assim quando descanso na minha insignificância percebo a grandeza do meu Deus.
Que provavelmente seja o que mais sabe sobre quem eu sou.
Aquele que ousa se chamar de “Eu Sou”. Que tem na sua existência a sua identidade e na sua identidade a sua existência. Que é Verbo. E se fez carne, e habitou aqui, nesse mundo podre, cheio de serezinhos insignificantes que acreditam que significam tanto.
E que é razão dos meus dias e que me aceita e me sustenta.

E que decidiu não me fazer árvore, que me fez nascer nesse país, nesse contexto, em 1988, de manhã, com esse nome, com essa família.
Que me fez preferindo o doce ao salgado, a piada ao silêncio, o tênis à sandália e o Novo Testamento ao Velho. [O que de fato não me impede de concluir que às vezes não há nada melhor que o silêncio, que eu preciso do salgado pra gostar do doce, do Velho para entender o Novo e que de verdade a sandália combina bem mais com esse vestido.]

Porque por ele e para ele são todas as coisas, grandes ou pequenas.
Incluindo eu, assim meio inacabada, e tudo aquilo que ainda vou ser.