sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Das coisas que permanecem

Há tantas coisas temporárias, nesses nossos tempos.
Promoções, copos descartáveis, aparelhos odontológicos, serviço de motoboys, a nova novela das oito, orkut, relacionamentos, notícias, as bexigas do padre, as promessas de ano novo.

É só temporário, eles dizem.
Não precisa ser pra sempre.

E o que é que há de tão errado nesse tal de pra sempre?
Parece que o fato de ser temporário dá uma espécie de segurança, um alívio.
Tudo bem se não der certo, afinal é só temporário.

Ou vai dizer que não dá um gelo na barriga olhar na etiqueta um imponente "GARANTIA VITALÍCIA" ?

Poucos os loucos corajosos o suficiente para assegurar a garantia pela vida toda, porque afinal, vai saber quantos anos o sujeito ainda vai viver; o avanço da medicina, a preocupação com a sustentabilidade, comida sem agrotóxico, pilates, bla bla bla.

A efemeridade das coisas parece que tira um pouco da seriedade que vem junto daquilo que é vitalício, as coisas que duram.


Estava pensando sobre isso esses dias, quando da comemoração do último Natal.
Lá na casa da minha avó.
Quando a tradição da rotina e dos pensamentos dela parece que destoa das tantas coisas em mim que gritam do alto dos meus vinte e um anos "ei, dá uma licencinha que eu acabei de começar a viver!"

Na posição dos móveis, no conteúdo das gavetas, no esconderijo dos trocadinhos na cozinha, no barulho que ela faz quando anda com aqueles chinelos estalando na sola do pé na velocidade rápida e modesta que ela tem de ir da sala pra cozinha, da cozinha pro quarto, pra janela, pro telefone, pros vizinhos, no portão.

Nas flores do jardim, na oração que ela faz, tenho certeza que ainda, todos os dias de manhã por toda a família, no excesso de bolos e doces pras visitas, no jeitinho meio maroto de fazer comentários sobre as coisas pra dizer o que ela pensa sobre tudo.
Geniosa.
Certo, teimosa para alguns.

Ela que cultiva o hábito (talento, acho) de lembrar dos aniversários de todos os filhos netos bisnetos namorados agregados e casamentos. E ainda acha justo entregar no Natal um presente para cada um que ela mesmo fez, porque afinal é Natal não é, e o Natal é dessas coisas que permanecem.

Não sei o que é que a velhice traz mas acho que vai eliminando o temporário e enraizando na casa e nas linhas do rosto as coisas que permanecem, o que eu acho particularmente bonito.
(talvez seja por isso que eu ache tão horrível essas senhoras de mais de sessenta anos sem rugas, enchendo a cara de Botox. Com licença, por favor, gostaria de ver as marcas que esses teus anos deixaram, isso se deixaram.)

Mas por que é que não mudam esses móveis de lugar, não sei, vende a casa e compra um apartamentinho mais adaptado pra ela não ter que cansar tanto, nem sei se cansa, e aqueles chinelos que ficam estalando, e acho que ela não aguentaria sair daqui, já sabe onde ficam os talheres, o trocadinho, o armário dos copos, e acho que ela não sabe direito usar perfume aerosol, tirou a tampa e ficou sacudindo o vidro na palma da mão esperando as gotas cairem, e um dia desses eu reparei no barulho que faço usando havaianas e a forma que estalavam nos meus pés.

Acho que foi minha irmã que lembrou,
parece o barulho da casa dela.



Tudo bem, talvez a gente precise mesmo viver bastante pra descobrir o que é importante, acho que até gosto da leveza do que é temporário, e preciso saber que ainda dá pra errar bastante e começar tudo outra vez, se for o caso.

Mas não quero esquecer das coisas que permanecem.
As boas conversas, o Natal, as pessoas, Jesus, as rugas, as músicas, o céu.





E já que o ano começou hoje acho que desejo pra todos mais coisas importantes e bonitas, que encham a vida de sentimentos e pessoas,

que é pra chegar depois dos oitenta anos e achar legal passar o ano todo costurando o presente de Natal dos outros.



Feliz futuro para todos.
Ah, e pra não parecer que eu só quero dar uma de diferentinha o tempo todo,
Feliz 2010.